sábado, 16 de junho de 2012

A Sete Palmos: chamando anjos e liberando demônios


Quem nunca se imaginou numa situação absurda, dizendo boas verdades que normalmente somos obrigados a engolir em nome do bom convívio social? Ou quem nunca se enxergou agindo de forma totalmente livre e surpreendente? Na série americana “A Sete Palmos” (Six Feet Under. HBO. 2001 a 2005), criada por Alan Ball, um recurso de roteiro dá asas à imaginação dos personagens que podem pelo menos por alguns instantes arranhar o verniz social e viver um momento libertador. Assim, durante os cinco anos de produção da série, foi possível chamar anjos e liberar demônios. Muito apropriado para quem tem a morte em seu cotidiano. É o caso da família que comanda a Fisher & Sons Funeral Home.

A maioria destas cenas com este tom delirante começa com uma conversa normal até que um dos personagens numa situação limite leva a ação para um campo quase inverossímil. As ações são tão bem amarradas no roteiro que nunca percebemos de início quando a cena é mero fruto da imaginação dos personagens ou uma reação verdadeira, beirando o surto. A montagem é precisa. Somente um corte repentino revela que tudo se tratava de uma versão imaginada para o que certamente não aconteceria. Esta “brincadeira” com o que de fato acontece e aquilo que é sonhado se repete muitas vezes com os personagens que, ao se deparar com a morte, percebem a fragilidade da existência.

Na série o personagem Nathaniel Fisher Jr (interpretado por Peter Krause), volta para a casa da mãe Ruth (Frances Conroy) após saber que o pai faleceu. Ele acaba se sentido forçado a trabalhar para a manutenção do serviço funerário que funciona no andar térreo e no porão da casa onde vive a família. Mesmo relutante, Nate – como é chamado pelos mais próximos - precisa juntar forças com o irmão e agente funerário David (interpretado por Michael Hall, atualmente protagonista da série Dexter). A família se completa com Claire (Lauren Ambrose), a filha mais nova e inquieta. A trama trata de drama familiar, religião, política, drogas, homossexualidade, solidão e aflições diversas do homem contemporâneo. A morte, claro, é o tema central.

    Quase todos os episódios das cinco temporadas se iniciam com a morte de algum personagem. As histórias dos mortos, que precisam ser preparados  e levados aos rituais fúnebres, se cruzam com a vida dos Fisher. É através da morte que se aborda a vida, com todas as nuances de prazer e dor. De início estes óbitos podem incomodar aos mais sensíveis. Mas isto é tão cotidiano para os Fisher que o público tem grandes chances de, a cada novo episódio, assimilar tudo com naturalidade. O fato é que, a série, aos nos colocar o tempo todo diante da ideia de que tudo tem fim, também faz refletir sobre a forma como vivemos e nos relacionamos com as outras pessoas. 

 Os personagens buscam um sentido para a vida. Por isso precisam reavaliar as próprias atitudes e neste exercício de observação de si e do outro surgem muitos questionamentos sobre o materialismo e a espiritualidade. Vale destacar que inclusive os mortos travam embates ideológicos com os vivos. Enfim, longe de ser um mero entretenimento, a série “A Sete Palmos” pede disposição para pensar nos valores sociais, na complexidade da vida contemporânea e no mistério da morte. Para quem não viu na televisão, há um conjunto de cinco caixas com os 63 episódios.




Um comentário:

  1. Muito bom mesmo, o seriado e o seu texto. Acompanhei a série sem ordem de episódios e pela metade, mas esta, Sopranos e OZ, tem mónólogos e pensamentos realmente inspiradores.

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