Primavera, verão, outono, inverno. É fazendo referência às quatro
estações do ano que uma bailarina aparece no início do documentário “Pina”, do
cineasta alemão Wim Wenders. Ele faz uma homenagem póstuma à coreógrafa Pina
Bausch, artista que criou espetáculos de teatro-dança, sempre numa criação
colaborativa com seus bailarinos, rompendo barreiras da dança clássica. Ao
fazer referência às quatro estações, fica explícita a ideia de que a dança
atravessa o tempo, o espaço, o corpo.
Durante todo o documentário, que valoriza muito mais a expressão das
coreografias do que informações sobre a vida da coreógrafa, bailarinos
sorridentes caminham em fila indiana, executando movimentos repetidamente com
os braços. Primavera, verão, outono, inverno. Insistentemente, repetidamente fazem
outras aparições no filme. Cruzam o palco, passam por ruas movimentadas e
atravessam paisagens naturais. A imagem parece ser a metáfora ideal para afirmar
o trabalho contínuo e a necessidade de dançar, mesmo nos momentos de maior
adversidade.
Pina Bausch, mulher de poucas palavras, via na dança o potencial de
preencher com movimentos o silêncio deixado pelas palavras não ditas. Mas
diante da necessidade de se expressar verbalmente, palavras selecionadas e
certeiras foram usadas para orientar os bailarinos. Alguns dos artistas relatam
isto no documentário. Em quase 20 anos de convivência, a bailarina Ruth
Amarante ouviu da coreógrafa um único conselho: “enlouquecer mais”. Para a
tímida Ditta Miranda Jasifi, que durante as avaliações sobre os ensaios das
coreografias se mantinha sempre discreta, uma pergunta de Pina - em tom de
tristeza na voz – soou marcante: “Ditta, porque você tem medo de mim?”. Para um
jovem bailarino que se sentia confuso diante da vida ela disse “dance por
amor”. Para todos nós ela diz: “dancem, dancem ou estaremos perdidos”. Escrevo
assim, “diz” – no presente -, porque a força da expressão parece ecoa agora.
O movimento diz tudo.
O que se vê nas coreografias é a força do desejo, tema recorrente na
criação de Pina. Com movimentos precisos, o corpo reage ora com vigor, ora com
languidez. Nada é feito gratuitamente. Há dosagem de energia, de força. A
intensidade existe de acordo com a situação dramática que envolve o bailarino.
E esta situação dramática consegue se definir em cena envolvendo o conjunto
(artista, ideia, público), formando um corpo só.
A maior virtude do documentário de Wim Wenders é conseguir envolver o
público no ambiente cênico de Pina Bausch, possibilitando olhar de perto os
olhos dos bailarinos, os detalhes do corpo, do movimento, do suor. Os detalhes
exibidos compensam o fato de não estarmos diante de um espetáculo vivo, mas
somente de um registro audiovisual. O diretor consegue recortar trechos de
espetáculos históricos da arte contemporânea e assim falar quem é Pina Bausch.
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