domingo, 27 de maio de 2012

Philip Roth mostra a banalidade da morte em “Homem Comum”

O personagem central do romance “Homem Comum” (tradução de Paulo Henriques Britto/Companhia das Letras), de Philip Roth, não tem sequer um nome. Isto seria mesmo só um detalhe dispensável diante da generalizante condição de ser mortal. Então vamos chamá-lo simplesmente de homem comum.


Publicitário de profissão, pretenso artista plástico durante toda a vida até o último momento, o homem sem nome se divide entre os impulsos do sexo, a preocupação minuciosa com a saúde e o sentimento de culpa por não conseguir manter vínculo afetivo com nenhuma das três esposas que teve, nem com seus dois filhos do primeiro casamento. Logo nas primeiras páginas em que é descrita minuciosamente a cena de seu funeral, é possível ter uma ideia das precárias relações familiares.  O livro diz no início que o personagem morre e isto não diminui o interesse pela trama. Pelo contrário, desperta a curiosidade em saber os detalhes de como o personagem resistiu ao enfraquecimento inevitável causado pela velhice.

A história do homem comum não carrega nada de excepcional. Não existe uma trama mirabolante. A beleza do livro se concentra justamente na previsibilidade de tudo o que acontece. Nada surpreende quanto ao enredo, mas tudo é ricamente descrito. São os detalhes que possibilitam enxergar com clareza os conflitos que regem a vida do personagem. Na infância ele se sentia feliz por ser considerado pelo pai como uma pessoa confiável. Na fase adulta, sem conseguir assumir o modelo perfeito de marido e pai, este homem se vê em contradição. Ele é comum porque é contraditório e porque, inevitavelmente, é perecível.

O monólogo interior do personagem descrito pelo narrador traduz a condição solitária e torna o leitor testemunha de conflitos, desejos sexuais, culpa e medo. O recurso é usado de forma muito apropriada para mostrar, por exemplo, o conflito do personagem ao perceber que tem inveja de seu irmão mais velho, de saúde aparentemente inabalável.

Nada na velhice compensa a perda do vigor físico. A redução da libido, a julgar pelas aventuras sexuais da juventude, parece ser uma condenação para o personagem nos últimos anos de vida. Ele, em divagações solitárias, mostra esta insatisfação com a fragilidade física. É nesta fase da vida que ele vê uma jovem correndo na praia e se encanta por ela, talvez não somente pela beleza da mulher, mas também porque a situação lhe põe em contato com o ímpeto perdido há muito tempo.


A velhice do personagem central é contextualizada no período histórico logo após o ataque às torres gêmeas, ocorrido nos Estados Unidos em 2001. O momento em que a autoconfiança americana é abalada e que o sentimento de segurança nacional já não é o mesmo parece criar um ambiente propício para acentuar no homem sem nome a vulnerabilidade. Seu corpo mostra a decadência trazida pela idade e o mundo em sua volta já não é mais o mesmo.


Philip Roth, considerado dos mais importantes romancistas americanos da contemporaneidade, escreve este livro de forma não linear, mas com habilidade suficiente para não deixar informações fora de contexto. Na primeira página do romance temos a descrição física de Phoebe, a segunda esposa do “homem comum”: “alta, magérrima, de cabelo branco, cujo braço direito pendia inerte ao longo do corpo”. O detalhe do braço direito ganha explicação quase ao final do romance, numa cena em que ela, numa cama de hospital, fala ao ex-marido da desgraça que é a impotência física. Este é só um dos exemplos de como o autor organiza as informações sem se perder nos detalhes, amarrando cada situação. Este engenhoso embaralhar de fatos sustenta o interesse pela história que não tem final surpreendente e nem precisaria disso para tornar o romance interessante.

No meio de tantos temores vividos pelo personagem, talvez o prazer de nadar no mar sob o intenso brilho do sol seja a melhor tradução do que se convencionou chamar felicidade. O “buraquinho” (palavra singelamente erotizada pelo autor) de uma amante pode resumir a pessoa na existência de pleno prazer, sem preocupações ou busca por qualquer explicação existencial.

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